sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Noite muito louca


 

Luz do sol, náusea e dor de cabeça, parei no meio da rua tentando me orientar. Foi a deixa para três sujeitos que passavam falarem, enquanto me mediam de alto abaixo:
— Tu não é daqui, né, magro?
— Não.
 
Não me perguntem como fui parar naquela festa. Coisas que só acontecem em finais de noite na companhia de amigos sem inspiração. Lembro de detalhes desanimadores: cerveja morna, muita fumaça de cigarro e a garçonete improvisada sem desodorante. Para mastigar só cachorro-quente frio. Não tenho certeza, mas acho que foi algum novato na turma quem sugeriu essa indiada, depois de algumas doses de uísque nacional sem gelo.
Ainda recordo que foi numa sexta-feira de inverno, meu salário não foi pago e a Marina me dispensou porque dei um amasso na melhor amiga dela. Disseram ser o Beto o boca grande. Deixa ele aparecer de novo pedindo para descolar um baseado.
Embora nada valesse à pena fui ficando, por puro comodismo. Então notei a menina dançando num canto da sala, ao som da egüinha pocotó — jeans com vários remendos, manchas, tênis idem. Depois me explicaram o nome correto daquilo: customizado. Eu não tinha nenhum interesse na produção da moça, mas o conteúdo era aceitável: coxas grossas, peitos prontos para pular fora da blusa, bunda arrebitada, cabelos compridos e soltos, batom vermelho, tudo medido por minha vista já nebulosa.
Cheguei mais, com o melhor sorriso possível, dei um oi e comecei a balançar diante dela, com todo o cuidado, pois dança mesmo seria temerário. Essa usava desodorante. Tentei conversar alguma coisa, mastigando as palavras, com os velhos chavões tipo como te chamas, vens sempre aqui, queres beber alguma coisa, mas não obtive resposta. Concluí que era muda, mas isso não fazia a menor diferença. Talvez fosse até melhor assim.
Depois de suportar algumas preciosidades do axé-funk e outros sucessos, convenci a mudinha a sairmos para a calçada em busca de oxigênio sem mistura. A moça topou com um leve gesto de cabeça e eu pensei: agora ninguém te salva. A calçada estava escura como convinha e ela não queria mesmo salvamento. Progredimos tanto que fui puxado pelo braço até um portão de acesso a três pequenos chalés maltratados, num terreno tipo corredor. O dela era o último.
Não me deixou acender a lâmpada, me arrastou com fúria para a cama, onde recuperou a fala e demonstrou todas as suas habilidades, algumas desconhecidas para mim. Após tantas surpresas a maratona veio fechar minha noite e dormi pesado.
Horas depois, claridade invadindo o chalé através da janela mal fechada, acordei com os roncos assustadores de minha parceira. Boca muito aberta, rosnando e babando, ela exibia dois reluzentes dentes de ouro, bem na frente. Enfiei roupa e tênis como pude e saí porta afora.

— Pois é, aqui tem que pagar pedágio. Passa o relógio e a carteira.
— A camisa e os tênis também. Agora se manda!
Quase agradeci por eles não gostarem do meu jeans. Me mandei mesmo, sem olhar para trás e sem correr porque o calçamento irregular me detonava os pés.

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